O menino que desejava ver as montanhas azuis
Decidiu de repente, num suspiro, que
queria ver novamente as montanhas azuis. Sendo assim, então, decidiu partir.
Mesmo sem nunca ter estado deveras nas grandes montanhas, esse era o desejo do
menino de olhares distantes. Não sabia onde ficava nem mesmo como chegar até o
seu topo, mas tinha certeza de seu enorme desejo de retornar às velhas
montanhas e respirar o ar denso como nunca havia sentido em seus pulmões. O
menino estava decidido a partir e se arriscar pelo caminho que tinha a sua
frente. As montanhas azuis eram uma visão constante em seus pensamentos. Depois
de perder tudo o que mais amava e considerava mais importante em sua vida, o
menino quase se deixou se levar pelo vento frio que a força de um pavor
inominável, contra a vida, soprou em seu rosto. O menino não tinha medo de
morrer. Na verdade, o menino não tinha mais medo de nada neste mundo. O único
medo que ele tinha guardado dentro de si, era o de continuar vivendo. Nada mais
causara tanto espanto e medo no menino do que viver. No fundo, não tinha
coragem nem de imaginar o que teria sido dele se tivesse desistido de si mesmo.
As montanhas ficaram impregnadas em
seus pensamentos depois de conhecer uma velha história de um povo que já não
mais existe. A todo o momento ele expressava tenazmente o desejo de retornar
àquele longínquo pedaço do velho mundo, porque para ele, de tanto conhecer a
velha história, era como se ele também, de alguma forma, estivera lá algum dia.
Abriu os olhos, recordou da noite passada, fez menção de voltar a dormir, mas
desistiu. Tornou a olhar o relógio, sem acreditar que aquelas três horas haviam
passado tão depressa. Custava a acreditar que o dia às seis horas da manhã
ainda estava escuro. Então, correu para conferir em outros marcadores do tempo,
e percebeu que havia tempos que não contemplava o nascer do dia. Abriu a porta
e foi direto para o jardim no fundo da sua casa que ficava próximo ao rio. Os
raios ainda frios de uma manhã, no fim do verão, iluminavam seu rosto cumprido,
revelando um olhar distante, encoberto por cabelos volumosos e castanhos.
Percebera que tinha um caminho pela frente. E naquele momento, decidiu
segui-lo. Não existe descrição para o sentimento que o menino tinha dentro dele
naquele instante. Era um sentimento até então, mesmo para ele, desconhecido.
Olhou para trás, e percebeu que a casa
estava vazia, mas que o verão já chegara ao fim. Todos seguiram os seus
caminhos, como se costuma dizer. Sem hesitar, sentou numa pedra escondida pela
grama do seu jardim, pegou uma folha de laranjeira recém-caída no chão e
arrastou pelo seu rosto enquanto pensava em qual seria seu próximo passo. O
menino tinha consciência de sua partida. E não carregaria consigo muita coisa,
mesmo se ainda assim quisesse, não poderia, já que não havia muito que levar.
Não seria possível esquecer o passado, mas seguir em frente e viver eram uma
nova alternativa que surgia diante dos seus olhos. E disso o menino tinha
consciência. Por muito tempo recusou a lembrar de muitas coisas, porque para
ele seria como sentir o vento frio do passado. E quando tinha coragem de
relembrar tudo o que havia passado, sentia que devia parar, pois o coração
ameaçava contrair outra vez [...].
Naquele mês, as semanas, os dia, e as
horas passaram rápidos demais, quase que despercebidas pelo menino que passava
todo o tempo ocupado com um sentimento desconhecido. Lia alguns livros, ouvia
suas canções preferidas, comia sem parar, e nas últimas horas se mantivera
ocupado pensando no que levaria para a sua longa viagem. Quando caiu em si,
percebeu que já era tarde da noite. Mas nada fora do seu habitual. Dormia
sempre muito tarde, e naquele dia não foi diferente. Ficara em cima da sua casa
observando as estrelas. Essa era uma das coisas que ele mais gostava de fazer
naquele tempo. Passava horas olhando o céu, contemplando constelações. Estava
ali, desejando viver o dia quando estivesse nas montanhas azuis vendo o mesmo
céu, a as mesmas estrelas que via naquele instante.